Sentada, com a senha na mão, aguardo.
O número é alto, a sala é ampla, abafada, e está repleta.
E ninguém brinca, ou atrevo-me: sequer sorri.
Como eu, centenas vêm fazer hoje a sua inscrição neste Centro de Emprego.
Todos acusam na expressão a dificuldade e o peso da circunstância.
Mesmo tendo por mais ou menos certo que o meu caso não é dos que têm piores perspectivas (Setembro corre novo concurso), pois partilho com estas pessoas o estigma da sala e da condição...
Olhando em volta, livro pousado, medito.
Inacreditavelmente, ocorrem-me que, talvez ainda ninguém ali se deu conta que, afinal, até temos alguma sorte.
Sorte?! Sim, sorte.
Sorte por vivermos neste país, apesar de tudo, civilizado e, à falta de outras qualidades, solidário.
Sorte de que, antes de mim (de nós), muitos terem tido a coragem de ter lutado, de não terem desistido mesmo quando pareceu difícil (impossível?).
E agradeci a todos eles.
Especialmente a todos os que há anos ajudaram a fundar e a construir o nosso Estado Social. E depois, a todos aqueles que, a custos que a nossa passividade actual parece não entender, e incluíram a tortura e a prisão, lutaram, às vezes muito sós, pela melhoria e segurança das nossas condições de trabalho.
Por eles tenho férias, direitos, alguma segurança laboral e subsídio de desemprego que não me deixa desamparada em momentos como este.
E exactamente por reconhecer o valor desta herança que tento estar à altura da passagem do testemunho - E Luto.
E não desisto: protesto, escrevo, faço greves e manifestações, participo de forma construtiva na vida do meu país.
"É pouco", dirão alguns, "eles é que mandam" - dirão outros...
A todos respondo que só consigo fazer a minha parte e espero o mesmo de todos.
Estes senhores que nos governam não tomaram o poder, foram eleitos e, portanto, colocados a governar por nós.
E a situação é sempre, sempre, a prazo.
O certo é que não me derrotaram, e sei a responsabilidade que está sobre a minha geração: Lutar para o legado que fica não seja muito inferior ao que recebi.
É possível. Países com menos recursos o fazem todos os dias e conseguem, com alguns ajustes, viver com alguma qualidade.
As gerações futuras contam connosco, tal como nós contámos com a anterior.
Não fujo às minhas responsabilidades.
Este é o nosso turno.