Os meus dias começam cedo, como já disse por aqui. Às 6,38h já estou dentro do comboio.
Se é certo que a partilha do espaço público nem sempre é de todo convidativa ou pacífica, confesso gostar desta liberdade de ser conduzida e não ter que me preocupar com carro, gasolina ou estacionamento.
Uma paz, acreditem :)
Depois, acresce aqui o facto de que, por sorte, as pessoas com quem me tenho cruzado são sempre educadas e razoavelmente pacatas.
Muitas vezes estão poucas pessoas na carruagem, algumas vão a ler, a conversar ou a falar (manusear e jogar também) ao telemóvel.
E o sol a iluminar quase sempre a carruagem...
Eu, aproveito para ler na volta para casa, porque na ida, vou pensando sobre a orientação a dar às aulas ou a rever alguma ficha.
Como não há lugares marcados, cada um vai ocupando os bancos vazios e só depois é que se senta junto a alguém.
Está sempre tudo limpo e arejado - que mais se pode pedir de um transporte público?
Claro que existe aquele idoso que ja conhecemos e que, todos os dias, logo cedo, já exclama alto: -"E o dia nunca mais acaba?" - A risota é sempre geral e diária :)
Outro dia tive o meu baptismo com gente "estranha" chamemos-lhe assim.
A meio do percurso, vindo de outra carruagem, passa um homem, apressadamente, pelo corredor. Chega ao fim da carruagem e, mal grado a existência de uma dezena bancos de 4 lugares vazios, volta para trás.
Para onde? Claro, para se sentar de frente para mim.
Fiquei quieta e continuei a minha leitura...
Foi impossível não reparar que olhava insistentemente ora para mim ora para umas folhas cheias de gráficos que consultava a cada 5 segundos...
Abreviando o relato, de repente, inclina-se excessivamente para mim e, abrindo a boca, começa literalmente a falar (recitar? rezar?) numa linguagem ininteligível e contínua.
Pareceu-me tudo estranho e foi como se ele estivesse a desenvolver uma diálogo interior há algum tempo e, de repente, continuasse a conversa em voz alta.
Não parecia estar realmente a ver-me e aquilo veio do nada...
O facto é que não desarmei e, incomodada com aquela aproximação e abordagem estranhas, e de forma pouco usual em mim, respondi alto e contundamente:
- Não estou a entender uma palavra do que me esta a dizer!
Ele se calou, mostrando entender perfeitamente o que eu dissera, ou pelo menos o tom em que o dissera e, numa outra voz e registo, pergunta:
- Does not speak English?
Ao que eu respondo:
- No, I do not speak any english language.
- All Right then. -Diz ele.
- Ok then. - Finalizo eu.
Ele encosta ao banco, pega nos seus gráficos e continua a consulta abrindo e fechando o dossier várias vezes. Passado algum tempo, levanta-se e vai para outra carruagem.
Fui surreal amigos. Em primeiro porque o certo é que, na primeira abordagem, ele não falou inglês (e tinha um ar bastante latino, sublinhe-se) e depois, não sei se repararam, mas eu, no calor da resposta defensiva, respondi-lhe sempre em Inglês a dizer que não falava ou entendia o idioma...
Também não me deve ter achado muito certa...
:))