" Se a setora for simpática comigo inda vá lá...Senão isto vai ser muuuito complicado.."
O tom foi seco, o olhar directo e a mensagem não suscitou dúvidas.
Esta foi a forma ameaçadora como, no início das aulas, um aluno de 16 anos (8ºAno) se apresentou à turma, mas principalmente a mim, sua professora. O aluno em questão é muito mais velho que os restantes e mais alto que eu quase um palmo, o seu historial refere uma família seriamente disfuncional, retenções sucessivas recheadas de processos disciplinares e um percurso do pior que tenho encontrado na minha prática lectiva...
Ali estava ele, olhos duros e pouco transparentes, ocupando uma carteira numa aula minha e, portanto, a merecer de direito (goste eu ou não) a minha atenção.
Respirei fundo, procurei olhá-lo nos olhos da forma mais neutra e tranquila que consegui (tinha todos à espera da minha reacção) e respondi:
- "Porque inicias o ano com esse tom? Vou tratar-te como mereceres, por isso a forma como o ano vai decorrer dependerá mais de ti do que de mim. Por mim, serei justa contigo".
E passei ao aluno seguinte, desvalorizando ultimato que me havia sido endereçado.
Não foi fácil.
Confesso que o seu olhar é duro e impenetrável, quase assustador se não se tratasse apenas de um jovem. O primeiro que me ocorreu foi que havia ali muita negligência parental e possivelmente maus tratos (sim, ele aprendera aquele olhar cruel em algum lugar lá atrás...).
Não o acolhi tão prontamente como habitual e, humanamente me confesso, teria gostado que ele ali não estivesse e que "alguém" assumisse essa responsabilidade longe das minhas aulas...Pois, foi o que senti.
Toda a viagem de volta para casa foi a pensar nesse jovem rebelde e ameaçador e na melhor forma de o abordar e controlar, por forma a conseguir dar as aulas num ambiente de trabalho. Inicialmente tive pena dos outros alunos da turma, certamente intimidados por esse colega quase adulto, agressivo e, note-se, já com as hormonas em ebulição. Também tive pena de mim, como não? Sete turmas, 100Km diários e agora este rapaz....
Depois como invariavelmente me acontece, assumo as minhas responsabilidades: É meu aluno! Tenho que encontrar forma de lhe ensinar algo, ainda que não sejam todos os conteúdos da disciplina...
É o que tenho feito há quase 2 meses, perco os 10 minutos iniciais de cada aula a conseguir que o C. se sente, abra o caderno e esteja em silêncio, depois faço-o participar da aula quer pedindo que faça uma leitura em voz alta, quer endereçando-lhe perguntas que sei estarem ao seu alcance.Lembro-lhe imensas vezes que é o mais velho e que deve dar o exemplo. Contrariamente ao previsto - a maior parte das vezes corre bem.
Esta semana, por algum milagre, o C. esteve atento, concentrado e respondeu correctamente a uma questão simples. Elogiei-o com gosto e, perante a conversação excessiva de outros, lembrei, olhando-o directamente que: -"Alguns têm a fama de desestabilizadores e outros é que fazem barulho!".
Ele percebeu. No fim da aula, enquanto arrumava os meus livros, apagou voluntariamente o quadro antes de sair.
O caminho não é fácil, mas acho que chegarei lá. O C. precisa que acreditem nele e lhe mostrem outros caminhos para além dos que ele pensa que existem.
Se não formos nós na escola, quem?