Os meus vizinhos de cima, como provavelmente milhares de portugueses, perderam a sua casa.
Durante 23 anos estiveram aqui. Foi toda uma vida a senti-los e a escutá-los aqui por cima...
Foram os filhos que criámos juntos, os aniversários, os cafés, os funerais, as partilhas grandes e pequenas quando nos encontrávamos na escada...
A conjuntura arrastou-os para uma situação em que já não conseguiram suportar financeiramente a prestação da sua casa e tiveram que a entregar ao banco. E nós, os que assistimos e confrontados com crueza dos factos, pensamos para nós: até quando aguentarei a minha?
Partiram com a dignidade e discrição possíveis e nós assistimos num silêncio cúmplice e impotente...
Na despedida, escolhemos as palavras na tentativa de minimizar a situação e torná-la mais confortável para todos. Sim, para todos, porque a todos doeu.
Eles partiram e levaram consigo um pedaço da nossa vida.
Quando fecharam a porta e as persianas (que permanecem há duas semanas assim -em baixo) encerraram um capítulo de inúmeros sacrifícios, que sei levaram até ao limite, a tentar manter a casa nos últimos anos.
A casa sem móveis, sem cortinas, sem fotografias - sem eles que a tornavam viva - é a expressão desse tempo exigente e desesperançado que nos é dado viver.
Não deve estar fácil estar na pele deles...E continuar a lutar...
Devia doer também a quem tem responsabilidades pela situação de afundamento a que o país e as famílias chegaram.
Será que conhecem, de facto, o que se está a passar?
Já o sentiram assim, na pele?
O silêncio que se instalou aqui por cima é insurdecedor.
E revoltante.