Sou uma entusiasta de Obama, desde o dia em escutei falar naquela sua forma serena e, mais ainda, quando tive a oportunidade ler os seus discursos e, mais posteriormente e que veio confirmar ainda mais a minha empatia por ele, o seu livro "A Minha Herança". Escrito a partir de uma perspectiva absolutamente humana e franca, ao ponto de nos incomodarem algumas passagens em que fala abertamente da sua família ou do racismo que sentiu/sente e aceita com a serenidade de quem já "compreendeu" a inevitabilidade de certa natureza humana.
O seu sorriso à "Mandela" revela essa mesma serenidade de quem já entendeu e até acolhe com compreensão as fraquezas humanas, não desanima com elas, nem perde o rumo...E isso, tendo em conta tudo e o tanto que já viveu é de uma resiliência enorme e...testada.
A sua política pela positiva, pelo diálogo acolhedor e pela inclusão, é absolutamente radical, desinstala e traz uma perspectiva alicerçada numa bagagem de vida (e origens) que lhe permite testemunhar desde baixo e com obra feita. Não é para qualquer um, convenhamos.
Sobre a polémica que se desatou a partir da atribuição do Nobel da Paz a alguém com base no seu potencial, balanceei entre a surpresa, o assentimento e a reprovação. Comparando-o com os outros galardoados (Mandela, Ramos Horta, Madre Teresa, Luther King...) ainda terá que "mostrar serviço", digamos assim. Mas isso não pareceu impedir o comité de atribuição do galardão, porquê?
Penso que já o compreendi. E hoje, tudo somado, dou o meu apoio sem reservas.
Explico melhor: vivemos tempos estranhos, de colapso do sistema e mudança do paradigma em que nos habituámos funcionar, mas principalmente, vivemos um tempo de descrença. Pior: de ausência de bons exemplos, de valores e pessoas que nos inspirem.
Por isso, não foi difícil concluir que Obama é o homem certo para estes tempos de crise instalada e sem resolução certeira e eficaz à vista. Estes tempos pedem que se olhem velhas realidades "com óculos novos" . Estes tempos pedem pessoas diferentes e dispostas a escutar, pesar e decidir com base em mais do que uma única perspectiva. Pessoas capazes de perceber tudo o que está em causa, ponderar, e decidir - porque, sim, há que fazê-lo goste-se ou não (o seu discurso de agradecimento, sendo um galardoado que é também um presidente em guerra, é algo que só ele conseguiu tornar possível, e quase aceitável)...
Estes tempo pedem que todos se empenhem e contribuam para resolução e para a construção de um mundo novo, mais humano e dialogante.Já não é possível funcionar na forma em que o fizemos até agora...Vejam aonde isso nos levou.
Um exemplo destes, de alguém improvável (observemos as suas origens étnicas e percurso), que subiu a pulso, que é capaz de nos inspirar, nos desinstalar pela surpresa, pela essência da sua diplomacia, pelo registo e pelo exemplo, mostrando que, apesar do horizonte negro, é possível usar outros caminhos...É difícil de encontrar.
Alguém que nos dá uma esperança coerente e possível, em tempos de descrédito? Merece este prémio, e acredito que desde já.
E estamos seguros nesta atribuição, porque ele entende a responsabilidade (mais uma) que lhe caiu em cima.
Escutemos as suas palavras:
"Em todo o mundo há homens e mulheres que foram presos ou espancados enquanto procuravam justiça; há quem trabalhe sem descanso nas organizações humanitárias, para aliviar o sofrimento; e há milhões de anónimos cujos actos silenciosos de coragem e compaixão inspiram até ao mais cínico. Não posso discutir com quem diz que que estes homens e mulheres(...) são muito mais merecedores que eu desta honra" .
Sim, percebemos o peso e a responsabilidade, mas quem, senão ele, mais nos inspirou no último ano?
Quem, se não ele, nos mostrou que "melhor é possível" (L. Alves)?
Quem, se não ele, há de fazer tudo para ser, todos os dias que hão de vir, mais merecedor desta distinção?